quinta-feira, 26 de abril de 2007

Do Amor e Outros Demônimos, Gabriel Garcia Marques


Do Amor e Outros Demônios, um romance escrito por "Gabo" conta a demolição de um convento de Santa Clara, onde foram descobertos ossadas de padres, freiras, bispos enterrados naquele lugar, dentre esses ossos enterrados é encontrado um com imensos fios de cabelos, que impressionam a todos que o encontraram, a partir dai García Marquéz relata uma antiga lenda sobre a marquesinha que no Caribe é venerada por seus milagres, que servi para ele como inspiração para seu romance. É uma relação entre uma menina de apenas 12 anos, e um padre que pouco conhecia da vida, os dois formam um romance que impressiona pela loucura e a perseguição sofrida por ela, no tempo em que a igreja sofria a dominação da Inquisição. A marquesinha que não tinha atenção dos pais, e tudo que aprendera fora com os escravos da fazenda de seu pai, transforma essa menina em uma adolescente diferente de todas as outras que deseperta no Padre um amor puro, porém proibido.

Partes retiradas do Livro, Do amor e outros demônios:

(…) No terceiro nicho do altar-mor, do lado do Evangelho, (…) A lápide saltou em pedaços à primeira pancada do alvião e uma cabeleira viva, de uma intensa cor de cobre, espalhou-se para fora da cripta. O mestre-de-obras quis retirá-la completa com o auxílio dos seus operários, mas quanto mais puxavam, mais comprida e abundante ia surgindo, até saírem as últimas madeixas ainda presas a um crânio de criança. No nicho não ficaram senão uns ossitos pequenos e dispersos e na lápide de cantaria carcomida pelo salitre apenas era legível um sem apelidos: Sierva Maria de Todos los Angeles. Estendida no chão, a esplêndida cabeleira media vinte e dois metros e onze centímetros.(…) O histórico convento das clarissas, transformado em hospital há já um século, ia ser vendido para construírem em seu lugar um hotel de cinco estrelas. A capela estava quase exposta às intempéries devido à progressiva queda do telhado, mas nas suas criptas continuavam enterradas três gerações de bispos, abadessas e outras pessoas importantes. A primeira coisa a fazer era desocupá-las, entregar os restos a quem os reclamasse e atirar o restante para a vala comum.Surpreendeu-me o primitivismo do método. Os operários destapavam as sepulturas com alvião e enxada, tiravam os caixões apodrecidos, que se desfaziam mal se lhes tocava, e separavam os ossos da argamassa de pó com farrapos de pano e cabelos baços. Quanto mais ilustre era o morto mais difícil se tornava o trabalho, porque era preciso esgravatar nos restos dos corpos e peneirar finamente os resíduos para recuperar as pedras preciosas e as peças de ourivesaria.O mestre-de-obras copiava os dados da lápide num caderno escolar, arrumava os ossos em montes separados e colocava a folha com o nome em cima de cada um para não se confundirem. A minha primeira visão ao entrar no templo foi uma longa fila de montículos de ossos, aquecidos pelo violento sol de Outubro que entrava a jorros pelos buracos do tecto e sem outra identificação para além do nome escrito a lápis num pedaço de papel. Quase meio século depois ainda sinto a perturbação que me causou aquele terrível testemunho da passagem arrasadora dos anos.(…) No terceiro nicho do altar-mor, do lado do Evangelho, (…) A lápide saltou em pedaços à primeira pancada do alvião e uma cabeleira viva, de uma intensa cor de cobre, espalhou-se para fora da cripta. O mestre-de-obras quis retirá-la completa com o auxílio dos seus operários, mas quanto mais puxavam, mais comprida e abundante ia surgindo, até saírem as últimas madeixas ainda presas a um crânio de criança. No nicho não ficaram senão uns ossitos pequenos e dispersos e na lápide de cantaria carcomida pelo salitre apenas era legível um sem apelidos: Sierva Maria de Todos los Angeles. Estendida no chão, a esplêndida cabeleira media vinte e dois metros e onze centímetros.O mestre-de-obras explicou-me sem espanto que o cabelo humano crescia um centímetro por mês mesmo depois da morte e vinte e dois metros pareciam-lhe uma medida correcta para duzentos anos. A mim, pelo contrário, não me pareceu assim tão trivial porque a minha avó, quando eu era criança, contava-me a lenda de uma marquesinha de doze anos cuja cabeleira se arrastava como a cauda de um véu de noiva, que morrera com raiva devido à dentada de um cão e que era venerada entre a população do Caribe…

Gabriel Garcia Marquez



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